2002 - com Big Phil não existe amarelão
Brasil preparado para encarar a Inglaterra. Em pé: Edmílson, Lúcio, Gilberto Silva, Roque Júnior, Marcos e Cafu. Agachados: Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Roberto Carlos, Rivaldo e Kléberson.
Há bem pouco tempo atrás, dediquei duas partes dessa retrospectiva a contar a história de Dunga, jogador-símbolo de uma Era, que viveu momentos terríveis em 1990 e voltou, na base do trabalho e da determinação, para reverter a escrita e virar líder da seleção brasileira campeã do mundo em 1994. Foi uma trajetória bonita, sem dúvida, de enorme potencial simbólico e tudo o mais – mas não é, de modo algum, um caso exclusivo ou mesmo incomum. Nesse episódio mesmo poderíamos, sem nenhum esforço, descrever uma história semelhante: Ronaldo, rotulado como grande amarelão em 1998, o cara que deu chilique e deixou o país na mão na hora decisiva. Em 2002, ele reverteu expectativas e reescreveu sua história – ao lado de um plantel contestado e de uma comissão técnica liderada por um treinador que, ousamos dizer, tinha considerável torcida contra... Foi a melhor campanha da nossa história, 100% de aproveitamento (superando 1970 por ter tido um jogo a mais) e um taça conquistada com total autoridade. E é essa história, cheia de elementos dramáticos e com todos os seus desdobramentos, que vamos contar a partir de agora.
A derrota na Copa da França foi o fim da linha para o Velho Lobo Zagallo, que depois de tanto stress já nem tinha condições de saúde para permanecer como timoneiro da nossa nau brasileira. A partir daí, a ideia – que já poderia ter sido seguida desde a saída de Parreira em 1994, mas enfim – era arejar o comando técnico de nossa seleção. Colocar alguém conceituado, de perfil vencedor, capaz de aliar visão de campo com habilidade em administrar a paixão de um país obcecado pela bola no pé. Alguém como Wanderley Luxemburgo. O cartaz do cidadão, como todos sabem, era altíssimo: treinador mais bem sucedido da história do Campeonato Brasileiro (quatro títulos até então), capaz de façanhas tipo transformar o inexistente Bragantino em campeão paulista e da Série B do Brasileirão, considerado um mestre na montagem de equipes técnicas e de alta competitividade. Era um nome incontestável, elogiado por todos quando assumiu o comando, mas que lamentavelmente não conseguiu produzir resultados significativos. Além dos escândalos fora de campo (que vão desde denúncias de corrupção a escândalos com manicures) o futebol da seleção nunca alcançou um nível condizente com a carga de expectativa sobre seu nome. Com a eliminação diante de Camarões na Olimpíada de Sydney, Luxa foi dispensado, e a CBF voltou a buscar alguém que pudesse recolocar o navio na rota para o Oriente.
A próxima tentativa foi Emerson Leão, dublê de craque e galã que teve carreira longa e respeitável como goleiro de nossa seleção. Como treinador, Leão era adepto de uma visão mais vistosa de futebol (que o levou a criar a alcunha “futebol bailarino”) que agradava em cheio a concepção romântica de muitos. Mas os resultados foram fracos – e, depois de um começo preocupante nas Eliminatórias e de uma derrota para a Austrália na Copa das Confederações de 2001, nosso chapa Leão foi outro treinador convidado a procurar emprego em outra freguesia.
Como resolver o problema? Eliminatórias em pleno andamento, time desconjuntado, dois treinadores fracassados em sequência, necessidade urgente de colocar ordem na casa e montar uma seleção capaz de representar com dignidade o país mais vezes campeão do mundo. Depois de algum questionamento, veio a resposta: Luiz Felipe Scolari. Felipão, para os mais íntimos. Em termos de resultados, um treinador bem parecido com Luxemburgo – campeão com times outrora inexpressivos (no caso, o Criciúma), responsável por alguns dos maiores títulos da história do Grêmio e por grandes momentos recentes no Palmeiras e no Cruzeiro. Também trazia a imagem pública de homem de personalidade forte, decidido, do tipo que traça metas e as leva até o fim. Porém, enquanto Luxemburgo tinha sua imagem fortemente associada a um futebol mais “bonito”, Felipão era o cara do jogo “feio”, do time que marcava forte e a qualquer custo, da eficiência nem sempre bela, mas geralmente de bons resultados. Embora a torcida estivesse de modo geral fechada com o treinador, havia muita resistência em alguns setores – gente que não achava que o perfil de Scolari fosse condizente com a imagem pujante do verdadeiro futebol brasileiro. Pessoal que bateu forte no treinador, assim que os primeiros maus resultados se manifestaram no horizonte.
E não foram nada bons no começo, diga-se. Não bastasse a campanha ainda claudicante nas Eliminatórias (disputadas pela primeira vez no sistema todos contra todos), ainda passamos vexames históricos como a eliminação para Honduras na Copa América, que provocou manifestações de ódio pelo Brasil inteiro. Mesmo com esses tropeços, porém, Felipão seguiu prestigiado – menos talvez por uma confiança de seus comandantes, e muito mais pelo escasso tempo disponível para modificações na comissão técnica. Diante desse clima de tensão e cobrança, o treinador demonstrou sua capacidade de comando e aos poucos foi solidificando um conceito de trabalho. Usando a pressão como um mecanismo de união, Felipão reforçou laços de camaradagem entre os atletas, desenvolvendo um grupo coeso e comprometido com o projeto, bem de acordo com as suas conhecidas preferências profissionais. Foi nesse mar revolto que surgiu a “Família Scolari”, um grupo de jogadores que fazia questão de realçar, em cada aparição pública e a cada tropeço, seu compromisso com a busca do título mundial.
Era uma seleção bastante mudada em comparação com a vice-campeã de 1998. Na zaga, Lúcio e Roque Júnior foram se consolidando como uma dupla de respeito, sempre apoiados pelo cumpridor Edmílson. Roberto Carlos, mais experiente e menos performático, e Cafu seguiam soberanos nos lados do campo. No meio de campo, nomes mais experientes como Emerson e Juninho Paulista (ausente em 1998 devido a uma lesão) dividiam espaço com jovens revelações como Ronaldinho e Kléberson. No gol, Marcos era nome capaz de passar segurança e seriedade para todos os demais jogadores.
Na frente sim, havia terreno para indefinições. Por um lado havia Ronaldo, o craque que tinha sofrido um ataque em 1998, e que vivia às voltas com terríveis lesões. Seus joelhos viviam sendo visitados pelo bisturi, e muitos questionavam se o outrora Fenômeno teria condições de contribuir para a campanha brasileira no Japão e Coreia. Por outro lado, Romário, campeão em 1994, que não era mais criança, mas continuava metendo gols sem pensar no amanhã. Muitas vozes defendiam a convocação do Baixinho, acreditando que o experiente jogador era até mais negócio do que o mais jovem, mas descontado Ronaldo. Mas Felipão tinha critérios bastante claros para preferir um em detrimento do outro. Ronaldo era jogador comprometido, dedicado ao time, que sempre deixava claro seu esforço em estar fisicamente apto e que buscava na Copa de 2002 a chance de redimir-se da nebulosa “amarelada” de 1998. Já Romário era o malandro irreverente, que pediu dispensa da Copa América para cuidar da visão e foi visto jogando futevôlei no Rio enquanto a competição continental ainda estava em curso. Um era a figura do atleta em busca de recuperação; o outro trazia em suas atitudes a marca do descompromisso.
Sentindo que a presença de alguém como Romário poderia ser nociva ao projeto de equipe que estava montando, Felipão comprou a briga e manteve o Baixinho fora das convocações. Romário pressionou, mandou recados pela imprensa, deixou claro que acreditava numa convocação de última hora como a que o colocou na Copa em 1994. A imprensa, sempre ansiosa em defender o espetáculo em detrimento de todo o resto, ensaiou uma campanha pró-Romário semelhante à de 1994. Mas Scolari bateu pé: não precisávamos de uma estrela apenas, e sim de um grupo de jogadores fechado em um objetivo. Quando tivera a chance de ser parte dele, Romário tinha decidido ficar de fora – então que assim fosse até o fim.
Na reta final da preparação, um acontecimento banal privou a seleção de um nome muito importante. O meio-campista Emerson, capitão do time e jogador de confiança do treinador, sofreu uma luxação no ombro em circunstâncias inusitadas. Brincando de goleiro em um rachão, o então craque da Roma caiu de mau jeito ao tentar fazer uma defesa e acabou se machucando com inesperada seriedade. A gravidade da lesão tornou inevitável a convocação de um novo atleta para seu lugar: Ricardinho, atleta do Corinthians. Gilberto Silva assumiria a função de Emerson no time titular. E Cafu foi alçado à posição de capitão do time, em uma medida que recebeu críticas veladas de quem julgava que, mesmo sendo um dos mais experientes do plantel, o lateral não teria a personalidade necessária para liderar uma seleção em Copa do Mundo. Apenas mais uma das incontáveis incertezas cercando aquela seleção – e mais uma das que sumiriam como fumaça, na medida em que a equipe fosse se impondo dentro de campo, jogo a jogo.
A estreia da Família Scolari ocorreu no dia 03 de junho de 2002, no Munsu Stadium de Ulsan, Coréia do Sul. Para encarar a seleção da Turquia, o Brasil entrou em campo formatado em um 3-5-2 com Marcos; Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu, Gilberto Silva, Juninho Pernambucano, Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos; Rivaldo e Ronaldo. Foi um jogo suado, difícil, no qual a seleção turca impôs sérias dificuldades ao time brasileiro. Começamos perdendo, gol de Hasan Şaş ao apagar das luzes da primeira etapa, e vivemos momentos de apreensão até que Ronaldo inteceptasse de carrinho o passe de Rivaldo e abrisse o placar. O gol da virada contou com uma ajuda fundamental do árbitro Young Joo Kim: Luizão (que havia entrado no lugar de Ronaldo) sofre falta fora da área, mas o juiz enxerga como pênalti e dá a chance para Rivaldo, preciso como um neurocirurgião, marcar o gol da vitória. Longe de qualquer brilhantismo, mas inegavelmente eficiente, o Brasil dava os primeiros sinais de que podia sim ir muito mais longe do que se previa.
Na segunda partida, contra a China, as coisas mostraram-se muito mais fáceis. Enfrentando uma seleção sem qualquer tradição e muitíssimo inferior tecnicamente, não tivemos trabalho em impor um 4 a 0 categórico e inquestionável. Nada surpreendente, claro – mas a vitória teve forte efeito simbólico, encaminhando a classificação e dando tranquilidade para que o treinador fizesse os ajustes necessários. O plano era todo esse: garantir logo a vaga, para usar a primeira fase como uma preparação final para os desafios que viriam a partir das oitavas. A defesa, muito contestada no primeiro jogo, teve a chance de tomar fôlego em um jogo onde praticamente não foi exigida. Além disso, foi a chance de Ronaldo e Rivaldo, contestados graças às lesões recentes que tinham sofrido, recuperarem a confiança e entrarem no mesmo ritmo de Ronaldinho, badalada revelação que vivia o auge técnico naquele momento. Somando a excelente fase deste com a força e vivência dos outros dois atletas, ia surgindo uma comissão de frente das mais intimidadoras, justificando o apelido “três R” criado pela imprensa. De fato, a coisa começava a tomar liga, e a tendência se tornava muito positiva.
Vencer a Costa Rica, mesmo que o Brasil já estivesse classificado, tinha grande importância do ponto de vista da campanha. Afinal, garantir um adversário teoricamente mais fácil nas oitavas certamente tinha o seu valor. E o Brasil fez uma partida de alta qualidade, aliando capacidade técnica com grande espírito competitivo, e meteu 5 a 2 em um jogo no qual nunca perdeu o foco e a concentração. Ronaldinho e Roque Júnior, pendurados, foram poupados e substituídos por Edílson e Edmílson, que havia cedido a vaga a Anderson Polga no jogo contra os chineses. Fora isso, o escrete canarinho foi com força máxima, e isso ficou muito visível durante a partida. Diga-se, a bem da verdade, que a Costa Rica foi valente e fez o melhor enfrentamento que lhe era possível, jogando sempre ofensivamente e sem se apequenar diante do poderio brasileiro. Mas o Brasil era mais time mesmo, e conquistou sem muito sofrimento a justa vitória – com destaque para o terceiro gol, de Edmílson, em uma meia-bicicleta de grande plasticidade. O Brasil seguia invicto, ganhando solidez, e deixava o terreno das dúvidas rumo ao protagonismo no Mundial.
O adversário das oitavas, para sermos sinceros, não metia lá muito medo. A Bélgica tinha feito uma campanha bem raquítica na primeira fase, apenas empatando com Japão e Tunísia, mas uma providencial vitória sobre a favorita Rússia garantiu a vaga belga nas oitavas. Porém, a Bélgica foi um adversário dos mais valorosos, e o 2 a 0 final talvez passe uma ideia errônea do que de fato foi a partida. O Wing Stadium de Kobe, Japão, testemunhou uma partida muito disputada e de grande enfrentamento tático. Cientes de que deixar o Brasil tocar a bola era pedir para levar gols, os belgas adiantaram sua linha de marcação, congestionando o meio-campo e deixando o Brasil manietado em boa parte do jogo. Sem condições de articular as jogadas, a seleção brasileira mostrou-se pouco agressiva e por pouco a Bélgica não sai na frente, gol legítimo de Wilmots mal anulado pela arbitragem.
No começo do segundo tempo, os Diabos Vermelhos vieram com mais sede ao pote, e chegaram a dominar visivelmente o jogo nos primeiros quinze minutos da etapa final. Chance para Marcos brilhar, com algumas grandes defesas que mereceram muitos elogios da imprensa presente na partida. Mas o Brasil se acalmou, finalmente começou a encaixar os lançamentos às costas da defesa belga, e conseguiu desmontar o ferrolho com duas belas jogadas de velocidade. Sem brilhantismo, mas com muita eficiência e alguma ajuda do Destino (aka arbitragem), o Brasil seguia em frente rumo à disputa das quartas de final.
Contra a Inglaterra, fizemos talvez a partida mais emblemática daquela Copa. De um lado, o nosso eficiente ataque, que já tinha superado todas as desconfianças e marcado significativos 13 gols em 4 jogos. Do outro, a sólida defesa britânica, igualada à Alemanha na marca de um único gol sofrido. Apesar da campanha magra na primeira fase, os ingleses tinham patrolado a Dinamarca por 3 a 0 nas oitavas, e vinham embalados para o confronto contra o invicto, mas ainda não plenamente consolidado time brasileiro.
Tinha tudo para ser um jogaço, e assim foi. A Inglaterra entrou em campo com duas linhas de quatro jogadores, resguardando fortemente sua defesa para impedir ao máximo os avanços brasileiros. Com isso, o Brasil até tinha o domínio da bola, mas era pouco eficiente e não encontrava espaços para exercer sua criatividade ofensiva. Na base dos contra ataques, os ingleses iam chegando – e foi por meio de um deles que Owen abriu o placar, aos 23 minutos do primeiro tempo. A tática inglesa era tão eficiente que, na única falha individual em todo o primeiro tempo, Beckham deixou a bola aos pés de Ronaldinho, que avançou a galope defesa adentro e rolou para Rivaldo empatar. O gol da vitória brasileira viria de um misto de eficiência e imprevisível: cobrando falta na lateral direita de ataque, Ronaldinho imprime um efeito incrível na bola, encobre o goleiro Seaman e marca um golaço. Finalmente à frente no placar, restou aos brasileiros segurar a pressão e tomar cuidado no posicionamento na área durante os incessantes levantamentos de bola da Inglaterra. Ainda mais depois da expulsão de Ronaldinho, que inferiorizou o time em campo e forçou ainda mais a adoção de uma postura retraída. Diante de um adversário de altíssimo nível, o Brasil jogou bem, superou as dificuldades e venceu com justiça – melhores indicativos não poderia haver.
A expulsão de Ronaldinho Gaúcho criou um problema considerável para a semifinal, onde o Brasil reencontraria a Turquia. Kléberson, consolidado no meio depois da boa atuação contra a Inglaterra, manteve-se no time e serviu de suporte para Rivaldo, recuado para o meio com a entrada de Edílson no ataque ao lado de Ronaldo. O atacante, aliás, era dúvida devido a uma contratura muscular, mas Felipão bancou o Fenômeno uma vez mais e confirmou sua presença na semifinal.
Os turcos vinham sedentos de sangue, revoltados com o gol anulado na primeira fase e dispostos a conquistar a inédita vaga para a final. E começaram bem o embate decisivo, demonstrando a boa troca de passes que era a marca da surpreendente seleção em sua campanha no Japão e na Coreia do Sul. A ideia da Turquia era cadenciar o jogo ao máximo, mantendo o controle da bola e esperando brechas no ataque. Mas mesmo desfalcado de um de seus grandes nomes o Brasil chegava com força, obrigando o ótimo arqueiro Rustu a fazer importantes intervenções. No começo do segundo tempo, porém, a muralha turca foi vencida – e com gol de Ronaldo, o homem de confiança de Felipão, filho pródigo de uma Família que vencia tudo e todos. Logo depois de marcar, Ronaldo foi para o banco, substituído por Luizão. E o Brasil poderia até ter ampliado, já que teve boas chances no contragolpe e não chegou a sofrer uma efetiva pressão da Turquia. Forçados a acelerar o jogo que antes cadenciavam com maestria, os turcos não tiveram forças para superar a agora já consolidada defesa brasileira. No fim das contas, o 1 a 0 pode parecer magro, mas teve gosto de banquete para a antes criticada seleção brasileira, garantindo a presença da canarinho na grande decisão.
A Copa de 2002 foi marcada pelas surpresas, com equipes sem tradição como Coreia do Sul, Turquia e Senegal chegando longe na disputa pelo título. A final, curiosamente, conseguiu ao mesmo tempo confirmar essa aura de novo e realçar a força da tradição. Afinal, embora tradicionalíssimos, Brasil e Alemanha jamais haviam se enfrentado em um jogo válido por Copa do Mundo. A seleção verde-amarela, redimida depois de uma série de questionamentos, chegava na decisão como favorita. Já a Alemanha, depois de um atípico 8 a 0 contra a Arábia Saudita na primeira fase, retomou com afinco sua tradição de resultados pragmáticos e foi empilhando vitórias de 1 a 0 rumo à grande decisão. Duas equipes de peso, capazes de aliar eficiência e brilhantismo individual, com treinadores sérios e comprometidos com a formação de times competitivos acima de tudo. Belo cardápio para uma decisão de Mundial, sem dúvida.
Contando com força máxima, o Brasil se impôs. Foi uma vitória maiúscula, um 2 a 0 inquestionável e que premiou com toda a justiça a equipe que apresentou o futebol mais objetivo e consistente. De qualquer modo, a ausência de Ballack, suspenso por cartão amarelo, certamente foi um golpe duro para os alemães. Os germânicos tentaram impor seu jogo, trancando as ações no meio de campo, e o primeiro tempo do jogo em Yokohama foi de muita disputa e poucos lances de perigo de lado a lado. Foi no segundo tempo que o cotejo ganhou as cores brasileiras – graças, inicialmente, a uma falha do goleiro Oliver Kahn, até então um dos nomes máximos daquela Copa. Tinha levado um único gol, contra a Irlanda ainda na primeira fase, mas interveio errado em um chute de Rivaldo, bateu roupa e largou o esférico aos pés de Ronaldo. Rotulado como amarelão quatro anos antes, tido como incapaz de jogar devido às seguidas lesões, o Fenômeno ficou cara a cara com a redenção. E não hesitou: chute firme, sem perdão, e o Brasil na frente aos 22 minutos do segundo tempo. Logo depois, o golpe de misericórdia em mais uma participação decisiva do excelente Rivaldo. Fazendo um corta-luz de rara beleza, deixou Ronaldo novamente em condições de fazer o gol. E o atacante não perdoou, marcando o que seria o gol do título. Os alemães tentaram, colocaram o time para a frente, mas não tinha mais jeito. Aquele título já tinha dono – e a Família Scolari podia festejar com orgulho e satisfação a conquista de nosso quinto campeonato mundial.
Foi a melhor campanha de uma seleção desde o próprio Brasil, em 1970. Jogando sete partidas, conquistamos sete vitórias, com 18 gols marcados e apenas quatro sofridos. Uma campanha de números impressionantes, testemunhos da eficiência de um trabalho sério. Uma vitória que recompensou muitos esforços e muitas convicções. De Luiz Felipe Scolari, que encarou todas as críticas em nome de seu estilo de jogo e seu modelo de trabalho. De Ronaldo, craque contestado que apagou a má imagem de 1998 e sagrou-se artilheiro da Copa com oito gols. De Cafu, tido como incapaz de ser capitão, líder de um grupo que voltava para o Brasil com a taça debaixo do braço. De Rivaldo, alvo de algumas críticas que beiravam o incompreensível, mas que agora podia dizer com a boca cheia ter sido camisa 10 de uma seleção brasileira que ganhou o mundo. De um grupo de jogadores contestado, que superou as críticas e conseguiu dar liga no momento decisivo. E de toda a Família Scolari, termo usado com ironia por muitos, deboche por outros, mas que acabou virando sinônimo de uma equipe que ganhou a Copa do Mundo com uma campanha irrepreensível.
Fotos: Brasil pronto para a "final antecipada" de 2002 (blog Futebol em Fotos); Felipão e seu sorrisinho maroto (blog LKS Esportes); Scolari e Nazário, uma dupla de sucesso (Ronaldo.com); Ronaldo prepara a bucha contra os belgas (Getty Images); Rivaldo, em chamas, parte para o strip tease contra os ingleses (blog Futebol em Fotos); Lúcio apresenta as armas contra os turcos (Getty Images); Cafu levanta a taça e dá início ao festerê (Abril.com); e Ronaldo faz a dança do dedinho depois de fulminar a Alemanha (Abril.com).
Link para a matéria original (blog Carta Na Manga):http://cartanamanga.blogspot.com/2010/06/2002-com-big-phil-nao-existe-amarelao.html